Audiência pede criação de Câmara Técnica para lutar por pessoas com doenças raras

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O Ministério da Saúde aponta que existam em torno de 8 mil doenças raras no mundo
23/04/2018 - 13:35 Por: Fernanda Kintschner   Foto: Luciana Nassar

Pacientes com doenças raras poderão contar com mais um apoio em Mato Grosso do Sul, com a criação de uma Câmara Técnica para Pessoas com Doenças Raras, para diminuir os casos de judicialização por medicamentos e tratamentos no Estado. Esta medida é resultado de audiência pública Atenção à Pessoa com Deficiência e Doenças Raras, promovida nesta segunda-feira (23) pela Assembleia Legislativa, por proposição do deputado estadual Dr. Paulo Siufi (PMDB), presidente da Comissão Permanente de Saúde da Casa de Leis.

A Câmara Técnica será formada por uma parceria entre o Conselho Regional de Medicina (CRM), Conselho Regional de Farmácia  (CRF), Poder Legislativo e o Poder Judiciário, que irá cobrar responsabilidades junto do Comitê Estadual do Fórum do Judiciário para a Saúde. “Quem responderá pela demora do medicamento? Muitas vezes é questão de gestão. De que adianta fechar um diagnóstico e depois não ter acesso ao tratamento? Aí as pessoas vão às promotorias, ao Legislativo ou à judicialização. A audiência pública é para isso, para expor os problemas, brigar para o Mato Grosso do Sul e por essas pessoas que não querem dó, nem pena, querem é que seus direitos constitucionais sejam respeitados”, explicou o deputado Siufi.

O desembargador Nélio Stábile, representando o Fórum, disse que a intenção é cobrar o Poder Público, para um melhor atendimento à população. “Evitar que se tenha gasto adicional e aumento no fluxo de processos, de assuntos cuja obrigação e dever é do Estado, como está claro na Constituição”, ressaltou.

Direito ao acesso

Dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de R$ 1,2 bilhão foi gasto em 2017 na compra de 15 medicamentos judicializados. “Essa lida com a indústria farmacêutica o Ministério da Saúde tem encarado com muita seriedade, para poder ampliar a produção nacional e poder barateá-los”, explicou o representante da pasta, Fernando Machado Araújo. Ainda de acordo com os dados apresentados pelo técnico do Ministério da Saúde, 80% das doenças raras decorrem de fatores genéticos, sendo os outros 20% causas ambientais, infecciosas e imunológicas. Estimam também que existam em torno de oito mil doenças raras no mundo.

“O tratamento é o desafio. Só existem 267 geneticistas no país, o que dificulta na habilitação dos Centros de Doenças Raras, que fazem parte da política pública criada em 2014 via Portaria 199, que possibilitam atendimento e treinamento. Hoje há sete centros habilitados e outros 12 em processo de habilitação. Desde então também foram 15 exames e seis medicamentos incorporados a mais no SUS [Sistema Único de Saúde], para o tratamento das doenças raras”, explicou Fernando Araújo.

O trabalho dos geneticistas foi enaltecido pela geneticista clínica, Liane de Rossi Giuliane,  que explicou que cerca de 50% das análises feitas por eles conseguem chegar a um diagnóstico precoce de doença rara. “A partir de então é preciso que o Sistema de Saúde se torne funcional para atender aquele portador, desde a identificação primária, quando se conscientiza do risco. Se interviéssemos desde o nascimento teríamos custos muito menores”, afirmou.

A Portaria 199 que permitiu o maior acesso de atenção às famílias é comemorada pela vice-presidente do Instituto Vidas Raras, Regina Próspero, mãe de três filhos, dois com mucopolissacaridose. Um deles faleceu aos seis anos. O segundo tem 28 anos, é funcionário público e está terminando a segunda graduação. “O Instituto foi criado em 2001 por pais de pacientes com a mesma doença rara dos meus filhos e hoje atendemos mais de 2.500 pacientes em todo o Brasil, com diversas patologias. Somente 5% tem tratamento medicamentoso, o restante precisa de profissionais de saúde que os acolham, com paciência e amor. Nossa intenção é disseminar informação e diminuir o sofrimento das famílias. Algumas peregrinam de cinco a dez anos até ter o diagnóstico final das doenças de seus filhos e nossa intenção é diminuir esse tempo para evitar ainda mais mortes”, explicou a representante do Instituto.

Regina foi convidada pelo senador Waldemir Moka (PMDB), que estava presente ao evento e é membro da Subcomissão Especial sobre Doenças Raras do Senado Federal, que visa tratar da legislação específica para este tipo de doença. “Nosso intuito é dar eficiência à legislação e facilitar a vida das famílias. Por exemplo, estamos com um anteprojeto já escrito com o apoio de entidades que militam por esses pacientes, para agilizar o encaminhamento ao tratamento. Hoje o paciente tem uma hipótese de diagnóstico e em seguida tem que passar por uma triagem novamente antes de ter acesso ao tratamento público. Com esse anteprojeto, vamos lutar para possibilitar que o tratamento seja iniciado assim que houver a hipótese de diagnóstico, evitando mais mortes”, disse Moka.

Em nome do Ministério Público Estadual, as promotoras de Justiça Jaceguara Dantas e Filomena Aparecida Depolito Fluminhan esclareceram que o órgão está à disposição da população pela garantia do atendimento. “À frente dos Direitos Humanos, pude sentir as dificuldades e malezas, sobretudo o descaso que o Poder Público tem com as pessoas com deficiência. Não só acessibilidade, mas até mesmo de um olhar mais humanizado e lá estamos para garantir o atendimento gratuito a todos que nos procurarem”, disse Jaceguara. Filomena completou. “Se o remédio está incluído na lista dos disponibilizados pelo SUS e o paciente não tem acesso, nos procure que iremos intervir para que isso seja possível”, explicou.

Luta contra o tempo

Diagnosticada há nove anos com esclerose lateral amiotrófica, Sarah Francisco destacou que o tempo é valioso para o portador de doença rara. “As causas e tratamentos da minha esclerose são desconhecidas ainda. Muitos tratamentos não são acessíveis e seis meses de espera, por exemplo, para mim, é muito tempo. Tempo é tudo. Eu não consigo marcar uma viagem para daqui oito meses. E não há tratamentos tão absurdos ou caros. Há muitos que precisam de psicologia, fonoaudiologia, cirurgias simples, mas é uma burocracia que torna o tempo inviável”, argumentou.

Representando a Associação Sul-mato-grossense de Fibrose Cística, Neia da Silva, que é mãe de um menino de 12 anos, diagnosticado com esta doença aos dois anos, disse que falta apoio para acesso às equipes multidisciplinares de Saúde. “Meu filho precisa de pediatra, pneumologista, psicólogo, nutricionista, assistente social e gastroenterologia e quando eles ficam adultos a dificuldade é ainda maior”, analisou.

Desde outubro do ano passado, mais de 600 pessoas em Campo Grande esperam pela distribuição gratuita de bolsas coletoras para poder sobreviverem. Os ostomizados são aqueles que passaram por processo cirúrgico de abertura de um órgão, por exemplo, trecho do tubo digestivo, do aparelho respiratório, urinário ou outros, para a ligação com o exterior do corpo para a eliminação dos dejetos do organismo. Em nome da Associação dos Ostomizados de Mato Grosso do Sul, a presidente da entidade Lana Maria Flores da Costa, explicou que muitas famílias não possuem recursos para continuar a compra das bolsas, desde a paralisação da entrega gratuita pelo Governo do Estado.

“Eu não sei mais aonde ir ou a quem pedir. A bolsa dura só três dias. Que a Câmara Técnica peça pela qualidade das bolsas, que elas durem mais. Nós não temos como ficar dias sem a bolsa. Vou ficar com pano, saco plástico, esperando a licitação? Esperava encontrar as Secretarias de Saúde municipal e estadual aqui, mas não vieram nos dar explicações. Vamos continuar cobrando”, finalizou.

Também participaram da audiência representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Defensoria Pública do Estado, universidades e entidades que atendem pessoas com deficiência e doenças raras.

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