Documento aprovado em audiência exige a revogação da Reforma do Ensino Médio

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Audiência pública na Assembleia Legislativa tratou sobre as reformas no Ensino Médio
30/08/2018 - 19:30 Por: Osvaldo Júnior   Foto: Wagner Guimarães

Professores, pesquisadores e outras pessoas ligadas à educação exigem a revogação da Lei 13.415/2017, que trata sobre a reforma do Ensino Médio. Documento nesse sentido foi aprovado por participantes da audiência pública “A Reforma e a BNCC do Ensino Médio no Centro das Atenções: Reflexões e Críticas”, realizada na tarde desta quinta-feira (30), no Plenário Deputado Júlio Maia, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.

O documento (na íntegra, no fim da matéria), que elenca dez justificativas relacionadas aos problemas abordados na reunião, será encaminhado ao Ministério da Educação (MEC), Secretaria Estadual de Educação (SED), ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e ao Conselho Estadual de Educação (CEE/MS).  

Entre outros possíveis impactos resultantes da reforma, conforme menciona o documento, estão o fim da obrigatoriedade da oferta de disciplinas que não sejam Matemática e Língua Portuguesa, o crescimento da dificuldade de alunos pobres de ingressarem nas universidades, demissões em massa de professores e a mercantilização do ensino.

“Essa reforma, praticamente, destrói a educação pública. É um desmonte da educação de modo geral. Trata-se de um projeto extremante preocupante, feito de uma forma antidemocrática”, considerou o deputado Amarildo Cruz (PT), 2º secretário da Casa de Leis e proponente da audiência pública. “O documento que foi tirado aqui hoje demonstra claramente a repulsa dos trabalhadores de educação, dos profissionais, dos pesquisadores, a essa reforma”, acrescentou.

Antes dos debates e como forma de contribuir para as discussões, foram realizadas duas palestras. Falaram e analisaram pontos diversos da reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) o professor-adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ) e coordenador do Movimento Educação Democrática, Fernando de Araújo Penna, e a professora Dra. Maria Aparecida Lima dos Santos, coordenadora-geral dos seminários sobre a BNCC, promovidos por coletivo de docentes da UFMS em parceria com FETEMS, ACP e SINASEFE/MS.

Sem escolha e notório saber

“Essa reforma foi vendida pelo governo como a reforma da escolha, em que os alunos poderiam escolher o que gostariam de estudar conforme sua vocação. No entanto, as escolas públicas deverão oferecer apenas dois itinerários formativos – e, em alguns casos, somente um. E essa oferta não caberá às escolas decidirem, mas aos sistemas de ensino”, considerou Fernando Penna [foto].

Ele informou que um dos problemas relacionados à oferta, já reduzida, é o baixo número de escolas nas cidades menores. “Em mais da metade dos municípios brasileiros, há apenas uma escola estadual com Ensino Médio. Então, como fica a escolha dos alunos? As escolas particulares, de elite, certamente continuarão oferecendo todas as disciplinas a seus alunos. Isso é segregação social”, analisou.

Penna também abordou e comentou a possibilidade da atuação de profissionais considerados como tendo “notório saber”. Ele informou que a Lei 13.415/2017 acrescenta inciso ao artigo 61 da Lei 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A nova redação estabelece que, entre os profissionais da educação básica, devem estar os que têm “notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional”.

Além dessa mudança, há outra, considerada pelo professor como “ainda mais grave”. “Trata-se da possibilidade de contratação de instituições com educação a distância com notório saber”, referiu Penna. “Ao invés de o governo investir nas escolas públicas, vai destinar dinheiro público a instituições de ensino a distância, que vão precarizar a educação”, avaliou.

O professor informou, ainda, que uma proposta apresentada no Conselho Nacional de Educação (CNE) permite que até 40% do curso de Ensino Médio seja oferecido na modalidade a distância. “E no caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA), poderia chegar a cem porcento”, completou. 

Em momento de limitação de recursos à educação, com a Emenda Constitucional 95/2016, que institui o Teto dos Gastos Públicos, o professor perguntou, retoricamente: “E de onde viria o dinheiro para a reforma do Ensino Médio?” Em resposta, ele disse que uma resolução, aprovada pelo Senado Federal, autoriza o governo brasileiro a emprestar US$ 250 milhões do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). “Isso é gravíssimo! O governo congela os gastos com educação e usa uma linha de crédito para financiar as reformas no ensino médio”,  comparou.

Na análise do BNCC, o professor afirma que esse documento sana a eventual dúvida quanto à obrigatoriedade de oferta de apenas duas disciplinas no Ensino Médio. “A BNCC deixa claro que só há dois componentes curriculares: Língua Portuguesa e Matemática. Então, o que a reforma deixa no ar, a BNCC resolve: só existem dois componentes curriculares obrigatórios. As demais disciplinas – Filosofia, Sociologia, Educação Física, Artes, História, Geografia, Física, Química, etc. – serão diluídas em áreas”, detalhou. “E aí, eu pergunto: O que vai acontecer com os professores?”

Interesse do mercado

A professora Dra. Maria Aparecida Lima dos Santos [foto] notou que a reforma do Ensino Médio e o BNCC atendem ao mercado e a grupos internacionais. Como indicativo desses interesses, a educadora citou a autorização do empréstimo de dinheiro do BIRD, já referida por Penna. “Convertendo para nossa moeda, esses US$ 250 milhões correspondem a R$ 1.024.450.000,00. E o Brasil terá de pagar esse valor com correção de juros, taxas e encargos”, observou. “Isso não ocorre só no Brasil. São ações orquestradas no mundo todo”, afirmou.

Com relação às propostas presentes no BNCC, a professora analisou que os direitos à aprendizagem são substituídos pelas chamadas competências. “Isso é um forte ataque às prerrogativas constitucionais”, definiu. “ A teoria das competências está associada a uma compreensão de educação vista pela lógica do lucro”, completou.

Maria Aparecida reforçou o entendimento de que o processo de mudança do ensino em curso não é democrática. “A Base está colocada em nível nacional com um grande imperativo: ‘cumpra-se!’. E nós acabamos aderindo, porque estamos todos ‘a pão e água’. Mas precisamos entender que, com essa aceitação, estamos ajudando a vender a educação pública”, alertou.

“Criticamos a BNCC como reflexo de uma concepção de mundo pautada no aprender a aprender, que se desdobra numa perspectiva escolanovista, do começo do século XX. Essa perspectiva já foi criticada e superada, de maneira bastante embasada. Mas a reforma quer recuperá-la. Isso é um retrocesso de pelo menos cem anos”, finalizou a doutora.

Além do parlamentar proponente, dos professores palestrantes, também participaram das discussões e compuseram a mesa de autoridades, os deputados Pedro Kemp e João Grandão (ambos do PT), a presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), Sueli Viega Melo, o presidente do  Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública (ACP), Lucílio Nobre, o presidente da Central Única dos Trabalhadores de MS (CUT/MS), Genilson Duarte, e o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras de MS (CTB/MS), Ramiro Moisés. 

A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia e pela página da Casa de Leis no Facebook. Por esse canal, a reunião alcançou 4.837 pessoas, recebendo 41 comentários, 48 compartilhamentos e mais de 80 curtidas, além de perguntas.

Íntegra do documento aprovado na audiência

A Audiência Pública, intitulada "A Reforma e a BNCC do Ensino Médio no Centro das Atenções: Reflexões e Críticas", realizada pela Assembleia Legislativa do MS, no dia 30 de Agosto de 2018, se MANIFESTA CONTRÁRIA à Lei 13.415/2017  - Reforma do Ensino  Médio,  razão  pela qual exigimos sua REVOGAÇÃO.

Além disso, requer aos membros do Conselho Nacional de Educação a REJEIÇÃO da BNCC do Ensino Médio.

Justificativa:

1. A Reforma do Ensino Médio, da qual a BNCC faz parte, tornou obrigatórias nas escolas de Ensino Médio apenas as disciplinas de português e matemática.

2. Todas as outras disciplinas (história, geografia, sociologia, filosofia, artes, educação física, língua estrangeira, física, química e biologia) nao serão mais obrigatórias.

3. O currículo flexível poder ser cumprido totalmente fora das escolas, por meio de inúmeras certificações de qualidade duvidosa e desatreladas dos princípios da formação escolar, tais como: cursos de aprendizagem oferecidos por centros ou programas ocupacionais (ex: Pronatec e Sistema S); experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar (ex: trabalho voluntário); estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; cursos realizados por meio de educação a distância etc.

4. A Reforma e a BNCC servem para dificultar cada vez mais o ingresso da população de  baixa renda na universidade. Aos pobres, só português e matemática! Aos abastados, todas as outras disciplinas (certamente vendidas em pacotes extras) que ajudam a ingressar em uma boa universidade pública.

5. Caso essa proposta de BNCC seja aprovada, as escolas terão seus quadros de professores(as) drasticamente reduzidos, já que precisarão basicamente de professores(as) das disciplinas de português e matemática.

6. Porém, até para as disciplinas obrigatórias (português e matemática), a Reforma pretende oferecer conteúdos curriculares a distância, diminuindo a necessidade de professores(as) em sala de aula.

7. Além de demissões em massa, as relações de trabalho nas escolas serão precarizadas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) e pela contratação de profissionais com “notório saber” na educação técnica-profissional.

8. O objetivo de mercantilizar o Ensino Médio, transferindo a parte flexível do currículo e até mesmo componentes da BNCC para iniciativa privada, através da educação a distância.

9. A mercantilização e a privatização do Ensino Médio, fomentadas pela Reforma, caminham em sintonia com a Emenda Constitucional n. 95, a qual congela por 20 anos os  investimentos públicos em políticas sociais, inclusive na educação.

10. A BNCC e a Reforma do Ensino Médio fazem parte do projeto de Estado Mínimo de um govemo sem legitimidade eleitoral e que é produto do Golpe.

Permitida a reprodução do texto, desde que contenha a assinatura Agência ALEMS.
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